Para quem não conhece, John Dillinger - interpretado no cinema pelo ator americano Johnny Depp - foi o gângster mais procurado pelo FBI em Chicago no início dos anos 1930. Nas cenas finais do filme Inimigos Públicos (Public Enemies), Dillinger, encurralado pela polícia após a morte de seus comparsas, abraça a namorada, Billie Frechette, e lhe propõe: "Vamos fugir. Let"s go to Brazil."
Infelizmente, não só no cinema, no imaginário de Hollywood, mas também na vida real o Brasil adquiriu fama internacional de país da impunidade e é visto no exterior como porto seguro para fugitivos da Justiça. Aqui buscaram refúgio, no passado recente, criminosos de todo tipo, dentre outros, o famoso assaltante britânico Ronald Biggs, conhecidos nazistas alemães, como Franz Stangl e Gustav Franz Wagner, terroristas como o belga Patrick Hamers ou membros de organizações paramilitares como os montoneros e os tupamaros, ditadores sul-americanos (Stroessner é um deles), mafiosos de várias nacionalidades (quem não se lembra do italiano Tommaso Buschetta?), traficantes de drogas e, recentemente, o israelense Elior Hen, que espancava crianças em nome de uma seita religiosa.
Cesare Battisti, por coincidência, também escolheu o Brasil. Por que deveríamos mantê-lo em nosso território? O que ganharíamos com isso, além de ver nossa reputação mais abalada ainda?
Battisti é um homicida. Matou ou participou da morte como co-autor de quatro pessoas, dentre elas um açougueiro e um joalheiro italianos. Cometeu, pois, infrações penais comuns, sem motivação política alguma, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo, aliás, parecer do procurador-geral da República. Tollitur questionou. Ninguém, nem o presidente da República, pode mais alterar a natureza ou a motivação dos crimes imputados a Battisti.
Battisti alega, no entanto, que não haveria prova suficiente de sua participação nesses quatro assassinatos. Ele seria inocente. A Justiça italiana disse exatamente o contrário. As provas seriam contundentes e aptas a suportar juízo condenatório. Battisti, para o Judiciário italiano, é realmente culpado. Nesse contexto, seria teratológico imaginar que um tribunal brasileiro, e muito menos autoridades do Poder Executivo, pudessem absolver Battisti sumariamente, funcionando como uma espécie de órgão revisor das decisões das Cortes de país estrangeiro.
Sim, é certo, um ex-ministro da Justiça entrou em cena extemporaneamente, quando já tramitava o processo extradicional, e criou um imbróglio dando a Battisti o status de "refugiado político". No Supremo, onde impera o bom senso, o tresloucado ato administrativo foi tido por ilegal, já que Battisti não preenchia os requisitos previstos em lei para ser reconhecido como refugiado - o que, aliás, o órgão competente nessa matéria, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, já havia dito antes. Logo, Battisti não é mais um "refugiado político". E não pode, é claro, "readquirir" esse status, sob pena de se afrontar decisão da mais alta Corte do País.
Cabe, por isso, às autoridades brasileiras entregá-lo imediatamente à Itália. É obrigação ex lege. Se não a cumprirem, estarão violando a lei, isto é, o Tratado de Extradição Brasil-Itália, que, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo presidente da República, se incorporou definitivamente ao nosso ordenamento jurídico.
Dizem, todavia - e é verdade -, que o tratado prevê uma hipótese única de recusa de entrega do extraditando: "razões humanitárias" (sic). Por aí, por essa brecha da lei Battisti escaparia da Justiça uma vez mais, agora com o aval do ex-presidente da República, que, pasme-se, se negou a entregá-lo à Justiça italiana.
Enfim, além do vexame internacional, o ato presidencial é um rematado absurdo, tanto jurídico como político, mas tudo é possível nesse caso, em que definitivamente, não imperam mais a razão, o bom senso e o Direito. Se ficar no Brasil por "razões humanitárias", terá valido a pena para Battisti seguir o conselho do gângster americano e de tantos outros criminosos que aqui aportaram: "Let"s go to Brazil."
Guilherme Magaldi Netto - O Estado de S. Paulo